Bill Belichik e a comunidade analítica

No início da última temporada, Bill Belichick deu uma declaração que causou algumas reações na comunidade analítica do FA.

Ele afirmou que simplesmente não usa nenhum tipo de análise numérica na tomada de decisões.

Claro que isso que causou algumas reações na comunidade do Analytics.

Tem os que juram que Belichick está blefando.

Tem o que acham que ele está usando seu poder de influência pra conspirar contra os outros times.

Tem os que afirmam que alguém do Staff do Bill sempre foi responsável por isso, e ele simplesmente não quer admitir.

Eu não chego a descartar nenhuma dessas hipóteses.

Mas também não acho que ele tenha motivo pra mentir.

 

Macro vs Micro

Eu já tinha escrito um artigo sobre como a revolução analítica do beisebol provavelmente não vai ser refletida no Futebol Americano.

Um dos principais motivos pra isso é que as conclusões que chegam com suas análises correspondem a uma perspectiva muito mais “Macro” do que “Micro”.

Por exemplo, uma das principais conclusões que comunidade chegou é dizer que os times, de modo geral, tem que passar mais a bola em 1st-10. Eles baseiam essa conclusão em uma estatística chamada EPA, que analisa as chances de pontuar no drive baseado se um time passa ou corre em uma situação de down.

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Esse artigo chega a afirmar que praticamente todos os times da NFL deveriam passar mais no 1st-10.

Pra mim,  essa conclusão é falha em se basear na perspectiva macro. A conclusão também falha em contextualizar que o objetivo do FA não é pontuar o máximo possível, e sim pontuar mais que o adversário. Times que estão na frente do placar, passado metade do jogo, tendem a sacrificar chances de pontuar e diminuir as chances de turnovers, ao queimar o relógio correndo. Times atrás do placar tendem a querer pontuar mais rapidamente, arriscando mais e consequentemente pontuando mais. Basear essas decisões que um time deve tomar nesse tipo de estatística pra mim é falha de contexto.

Outro mantra repetido é que “Running Backs não importam” e “Estabelecer a corrida é um mito”.

Concordo que a filosofia “estabelecer a corrida” por tentar estabelecer a corrida, crença de um galera mais old school, é falha. Mas é falha justamente pela falta de contexto. Você estabelece a corrida se o contexto do seu roster e do seu esquema te favorece a estabelecer corrida, ganhando jardas regularmente e progressivamente e mantendo a posse de bola. Essas são vantagens que você deve extrair se o seu contexto te favorece pra isso.

Foi a decisão que o Titans tomou na última temporada. Eles olharam pro própio roster, viram um QB talentoso, mas que nunca se desenvolveu, um QB mediano, mas que não compromete e um RB que se dá melhor num específico esquema de bloqueio. Tomaram a decisão de colocar Marcus Mariota no banco, fazer um jogo corrido de zona metódico para Derrick Henry e apostar que Ryan Tannehill ia complementar esse estilo de jogo. Para a surpresa da NFL, o Titans chegou a final de conferência eliminando os Ravens. Eles viram um limão e tentaram fazer uma limonada. não um drinque de boate.

Agora, imagine um time genérico numa situação que muitos time se encontram hoje. Seu QB titular é um veterano que tem talento, mas é muito irregular e sofre muitas interceptações. Um Ryan Fitzpatrick da vida. Você tem um novato que pegou na segunda rodada do Draft que tem muito talento, mas é muito cru pra jogar. Seu corpo de recebedores é muito bom, mas sua linha ofensiva é meia-bomba.

Daí o Front Office e a CT ouviram a boa nova. Eles tem que passar a bola mais. Isso, segundo os números, vai fazer eles superarem as própias expectativas. Eles então começam a temporada passando mais. O time começa pontuando bastante com seu forte grupo de WRs. O QB veterano faz entrevistas coletivas com óculos escuros e peito peludo de fora. Mas daí a equipe começa a enfrentar times com defesas melhores, e o QB começa a sofrer ainda mais interceptações do que antes, pelo número maior de passes. Isso custa jogos e faz subir a pressão da torcida e da mídia para que se coloque o QB novato pra salvar as chances de playoff. Depois de mais uma interceptação, o técnico coloca o novato. O novato começa lançando alguns TDs, mas o problema é que ele é cru e não tem a presença de pocket que o veterano tinha. Com uma OL é meia-boma e mais jogadas de passe, ele sofre mais e mais sacks, e vai caindo de rendimento. No final da temporada, o time acaba de fora dos playoffs, e ainda com seu QB promissor queimado.

Estou falando que se corressem mais seria diferente? Não, não estou falando nisso. Provavelmente não seria. Mas a questão aqui é que nenhum problema foi resolvido pela decisão tomada antes da temporada. Por mais que a liga esteja cada vez mais inclinada pro passe, o fato é que a dificuldade de hoje de se encontrar um QB competitivo e regular é a mesma. A dificuldade de se montar um roster equilibrado, sem estourar o salary cap, é a mesma. São problemas até de ordem geral, que afetam o equilíbrio da liga, que não tem a ver com números. Por isso a chance de algum time da NFL repetir o Oakland A`s do Moneyball é quase nenhuma.

Por isso, a melhor forma de se resolver os própios problemas é esquecer por um momento do macro e focar no micro.

 

O que resolve os problemas?

Bill Belichick é um técnico conhecido por levar o própio plano de jogo a sério. De forma extremamente radical. Não é a toa que ele afirmou que para o Giants possa ganhar o Super Bowl em 1991 contra os Bills, o RB do time de Buffalo, Thurman Thomas, teria que passar das 100 jardas corridas. Essa frase, que soava absurda, era apenas uma forma de mostrar de que a prioridade do Bill era parar jogo de passe intermediário de rotas cruzadas comandado por Jim Kelly. Foi simplesmente a conclusão que ele chegou após horas de estudo do adversário e de análise técnica e tática de seus jogadores e dos oponentes. A prioridade máxima dele era essa. Foi uma decisão tomada.

Da mesma forma, no Patriots ele usava RB Dion Lewis bastante em um jogo, tendo um jogo fenomenal, e no jogo seguinte ele não via a cor da bola. Quando ele teve que ir com Jacoby Brisset como QB, praticamente largou o esquema de passe que usava por um único jogo, e montou um plano de jogo especialmente para a ocasião, ganhado a partida contra o Texans.

Isso tudo apenas mostra que Belichick foca no micro, não no macro. Pra ele, o contexto e a situação são mais importantes que qualquer coisa.

Ele acredita tanto nisso que uma das tarefas que passa para os novos assistentes que começam a trabalhar com ele é o padding. No padding, o técnico assiste o All-22 de todas as jogadas de um jogo e tem que desenhar minuciosamente e anotar cada detalhe da jogada. Isso leva horas. Um dia inteiro até mesmo.

 

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Padding é desenhar as jogadas com todos os detalhes possíveis

Além de treinar a atenção e o olho dos assistentes pra cada detalhe, Belichick deixa uma lição: Cada jogada que acontece é única e nunca mais vai se repetir. Não importa se são os mesmo jogadores executando a mesma jogada na mesma posição e down. Existem muito mais variáveis além dessas.

O própio ato do plano de jogo é uma forma de sair da perspectiva macro e entrar na micro. E a medida que o jogo acontece, que as jogadas vão sendo chamadas e os jogadores tomam decisões dentro de campo, mais a importância da situação aumenta. Metade do processamento mental do FA é feito depois do técnico chamar a jogada no head set, não antes.

Pra finalizar, apenas deixo uma citação do própio Bill, que ele usou no dia dessa mesma declaração.