“Pro Style offense” é um termo usado no College Football pra designar um ataque que ressemble o Futebol Americano “profissional”. Em outras palavras, é como se fosse o modelo de um ataque profissional da NFL.
Esse modelo consistia basicamente em um grande uso de Personnel 21 ou 12, em uma I formation ou Singleback, num ataque balanceado entre corrida (predominantemente entre os tackles) e passes.Os RBs costumavam ter entre 20 a 30 tentativas em um jogo.
De fato esse modelo foi predominante na NFL por toda década de 90 até o fim dos anos 2000.Mas de 5 anos pra cá, o cenário se transformou para times com um Personnel 11 e em Shotgun na maior parte do tempo.E com isso um outro tipo de ataque, outra abordagem ofensiva.Vindos de onde? Dos ataques e das formações “Spread” popularizados no College.
As últimas semanas da NFL consolidaram essa mudança de identidade como nenhum outra.Um jogaço histórico que quebrou recordes e um QB que serviu mais para o jogo corrido do que para o de passe sacramentaram de uma vez por todas a mudança de “modelo” que a NFL possui.
O Spread “Pass Happy” e 2 QBs Air Raiders
Na semana 11 da temporada atual, testemunhamos um jogo onde pela primeira vez na história acontecia na NFL o que não era novidade no College: dois times passavam dos 50 pontos em um jogo.E quanto as formações usadas pelos ataques, vimos pouca coisa que lembrava uma “pro style offense” tradicional.
Talvez a maior evidência do abandono desse modelo seja o número de tentativas de corrida pelos RBs dos dois times. Todd Gurley e Kareem Hunt são RBs de elite e dar a eles mais toques na bola seria lógico. Mas cada um recebeu menos de 20 carries.Nenhum chegou perto de passar das 100 jardas.
No lugar disso o que se viu foi um show de passes longos e jardas aéreas conquistadas de tudo que é jeito.E claro, boa parte partido de formações Spread, 3, 4 ou 5 WRs, Shotgun.
Coincidência ou não, os 2 QBs do jogo jogavam no College em um ataque Air Raid.No Air Raid você tem como princípio o uso intensivo de combinações de rota e conceitos de passe em diferentes formações “Spread”, para que o ataque possa “bater” qualquer tipo de cobertura que a defesa possa usar.
Os ataques de Chiefs e Rams não são exatamente Air Raid, mas o que importa é que eles conseguem colocar o princípio do ataque em funcionamento.Seja com passes Screen, combinações de rota curtas, combinações de rotas intermediárias, Passes profundos, esses ataques conseguem executar todos esses tipos de passe.E por isso deixaram o jogo corrido de lado.
Exemplo disso foi essa jogada em uma 2nd and 30 no 4º período. O Rams apesar de estarem a frente no placar, não tenta correr com a bola ou fazer um Sreen pass pra depois fazer o Punt numa posição melhor.
Em vez disso ele tenta um passe longo em um conceito de passe Dagger para bater a cobertura Cover 3 do Chiefs.O conceito de passe funciona e deixa o WR#12 Brandin Cooks completamente livre, mas o passe não é bom.
No último drive do jogo, o Chiefs num 3rd and 10 pega a defesa do Rams em zona, mais especificamente um Cover 3 buzz rotacionado na secundária. O Chiefs tem um conceito de passe pronto para essa cobertura, o conceito Flood. O passe é então completo para o WR #10 Tyreek Hill. Detalhe importante na jogada que o Chiefs apenas lançou os 3 WRs do lado direito da formação em rotas e colocou o TE e o RB no lado esquerdo para proteção de passe, o que deixou com Mahomes com mais tempo para ver a jogada se desenvolvendo e fazer o passe.
Mas é fogo na bomba que você quer, não é @? Quanto ao passe profundo, o Rams costuma tenta-los em passes de playaction. Nesse sentido, o esquema ofensivo do Rams é bastante similar ao de Kyle Shanahan no Falcons de 2016.
Esse playaction com bloqueio de Outside Zone é o tipo de jogada onde você não precisa necessariamente tentá-la em uma formação “Spread” , mas mesmo assim o Rams a usa aqui com 3 WRs alinhados o conceito de passe Yankee, conceito muito usado em passes de playaction.O passe é uma bomba para o WR #17 Robert Woods e deixa o Rams perto da endzone.
Já o plano do Chiefs para o passe longo é simples e sem segredo: Mandar o Tyreek Hill correr que nem um louco até onde o Mahomes achar que tá bom e passar pra ele.Tá bom, talvez não seja tão improvisado assim (só as vezes).
Um dos TDs do Chiefs no jogo foi de um passe de Mahomes para T. Hill. A jogada do Chiefs foi uma variação do conceito de passe 4 verticals para uma formação 3×1 (3 WRs em um lado da formação. O Rams está em uma cobertura Cover 1 Robber. Se cobrir T. Hill mano a mano já é difícil o suficiente, sem ajuda do resto da secundária é mais difícil ainda. O conceito de passe segurou o Safety no meio do campo e deixou Hill tranquilo para abusar da sua marcação individual e marcar o TD
Se esse jogo mostra o quanto a NFL, a medida que se transformou num jogo mais orientado ao jogo de passe e consequentemente com mais formações Spread, outra coisa aconteceu poucas semanas depois pra mostrar que o “Spread” não precisa necessariamente estar associado ao jogo aéreo
O Spread para o jogo corrido e o “RB que passa”
Se o Spread fosse bom apenas para o jogo aéreo, ele não teria se tornado a febre que se tornou tanto no College quanto na NFL. Acontece que espalhar os recebedores muda as regras do que acontece entre o Front 7 e o Backfield. Pense comigo: Agora com os recebedores espalhados o Front 7 virou Front 5. Eu então já tenho 5 OLs contra 5 defensores no box. Mas e se em vez de eu bloquear um desses defensores eu “Opcionar” ele? Aí pronto, se a leitura do Read Option sempre estiver certa, o ataque sempre vai estar em vantagem numérica pra correr com a bola.
No draft de 2018, o Baltimore Ravens fez um trade up para selecionar o QB Lamar Jackson com a última escolha da primeira rodada, um dos prospects mais polêmicos dos últimos tempos.Isso porque, conhecido por sua velocidade a lá Michael Vick, muitos diziam que ele nunca ia se tornar um QB de NFL, e portanto devia usar suas habilidades atléticas para se tornar um WR.
De fato, Lamar Jackson ainda é um Work in Progress em suas mêcanicas, footwork, accuracy etc. Mas também é verdade que ele não está tão atrás nisso se comparar com outros QBs novatos ou sophomores da liga. Mas a questão que eu quero abordar aqui é que isso não vem importando.
Ao ter que lidar com contusão do QB titular Joe Flacco, o Ravens resolveu colocar um outro tipo de ataque para o jovem QB liderar. Um ataque “Spread” baseado no jogo corrido Option que usa o jogo de passe mais como uma forma de manter a defesa honesta.
Pegue os números do jogo corrido de Kareem Hunt e de Todd Gurley em um período de 3 jogos e compare com os de Lamar Jackson em qualquer um dos 4 jogos que foi Starter. Supondo que você não saiba qual a posição deles você não sabe quem é o QB e quem são os RBs com base nos números. Ou se quiser tente adivinhar:
Sim, nesse momento, Lamar Jackson é um “RB que passa”. E esse ataque liderado por esse “RB que passa” conseguiu 3 vitórias seguidas e 1 derrota na prorrogação pro melhor time da liga.
A jogada a seguir é exemplo de como a velocidade de Lamar Jackson torna o jogo corrido muito mais explosivo do que se fosse “a moda antiga” assim por dizer. É um Read Option com bloqueio de Inside Zone. L. Jackson está lendo o DE #98 do lado esquerdo da imagem. O DE vai direto no RB, o que faz Lamar puxar a bola e correr pelo lado oposto, ganhando de todo mundo na velocidade até ser empurrado pra fora do campo
No esquema usado pelo Ravens também tem espaço para corridas especificas para o QB correr, assim como o ataque do Panthers popularmente gosta de colocar Cam Newton para correr. na jogada a seguir vemos um QB Power que usa o RB como Lead Blocker. L. Jackson puxa a corrida externamente e para um avanço de mais de 10 jardas.
A reação normal de uma defesa que está tomando um pau no jogo corrido é a de colocar mais jogadores perto da linha de scrimmage. Quando não podem se dar o luxo de colocar os Safeties, uma boa maneira é colocar os CBs como Cloud Force em uma cobertura Cover 2. Assim os CBs se tornam Force Defenders contra a corrida. Cloud Force também é especialmente bom contra corridas externas, como as que Lamar Jackson gosta de fazer.
Não demorou muito então pro Raiders usar a cobertura Cover 2. E parece que os Ravens estavam preparados pra isso. O movimento no backfield é quase o mesmo de uma corrida Read Option, mas a jogada é de passe. O playaction junto com a rota do TE para segurar o Safety deixa o WR sozinho para um grande avanço
Na jogada a seguir eles usam o passe como forma de contrapor a movimentação da defesa. De início parece que todo mundo bloqueia e corre para o lado direito, até o momento que um TE resolve correr uma rota pro outro lado e receber o passe livre de marcação.Mais uma forma de usar o passe para manter a defesa honesta a ele, num ataque baseado no jogo terrestre.
Lamar Jackson é talentoso e tem potencial como passador também. Mostrou mais uma vez a possibilidade real de um ataque da NFL baseado em corridas feitas pelo própio QB ser efetivo e trazer um time a vitória. #QuebrandooTabu
Conclusão
A NFL evoluiu.Sim, novas regras tem influência nisso.Mas não são as regras que ditam o poder criativo dos técnicos, de usarem novos esquemas e novas abordagens.A nova geração de técnicos e de QBs está transformando o “Futebol Americano profissional” pra melhor.