Como Ravens e Chiefs protagonizam o ataque do futuro

As tendências da NFL vem evoluindo em um ritmo muito alto nessa década. O que era novidade há alguns anos atrás hoje é regra. E o que era regra anos atrás hoje parece ultrapassado.

As vertentes ofensivas de Andy Reid e de Kyle Shanahan vem tomando conta da NFL nas últimas temporadas. Os assistentes contratados para ser Head Coach estão vindo do Staff desses 2 técnicos por um motivo.

Ravens e Chiefs duelaram no último domingo e enquanto o lado de Reid continua exibindo sua exuberância ofensiva, o lado comandado pelo OC Greg Roman também mostra idéias fora da caixa, sempre buscando maximizar o talento disponível.

Pra mim o que se viu foi uma amostra do que o ataque padrão de NFL será no futuro.

 

O ataque do futuro é rápido mesmo quando é “pesado”

Eu escrevi sobre como o ataque do Ravens era quase totalmente voltado a corrida no ano passado. A verdade é que nada mudou. O Ravens corre demais com a bola.

E corre como na moda antiga, colocando TEs e FBs no campo, em personnel 21 ou 22.

Mas o interessante é que mesmo alinhando com um personnel “pesado”, não significa necessariamente que eles tentarão correr com força bruta entre os tackles.

Eles com certeza podem se quiserem. E fazem isso constantemente. Aqui vemos uma corrida Power O tradicional em um personnel 22.

Mas o que torna o jogo corrido do Ravens fatal é a ameaça de Lamar Jackson.O Ravens pode ir para campo com o mesmo personnel 22, o que fará com que a defesa coloque seus defensores no lado forte da formação, fazer os mesmos bloqueios do Power O e executar um QB boot para o outro lado. Agora o ataque tem um jogador veloz em espaço, mesmo tendo se alinhado em personnel 22. Você atrai a defesa para se alinhar a um lado, e corre com espaço de sobra.

Uma das chaves para o Ravens ter um jogo corrido tão diversificado é a qualidade dos TEs. Nick Boyle, Mark Andrews e Hayden Hurst são colocados no campo frequentemente e são capazes de executar diversos tipos de bloqueios, enquanto também são ameaças no jogo aéreo.

Nessa jogada temos um Read Option com bloqueios de um esquema Duo de corrida, e um Bim Block do TE #89 Mark Andrews, que dá condição para a corrida de Lamar. Repare também que o Chiefs faz um scrape exchange, técnica usada pela defesa para justamente limitar esquemas de Read Option, mas o bloqueio de Andrews anula a intenção da defesa.

 

O que faz esse ataque especial é que mesmo em personnel 22 ou 21 eles conseguem ameaçar com velocidade ou com força bruta.Markin Ingram e Gus Edwards garantem um estilo power de correr enquanto Lamar Jackson e Justice Hill são os Speed Backs. Ao mesmo tempo, os TEs Hayden Hurst e Mark Andrews  são uma ameaça considerável no jogo aéreo.

 

O ataque do futuro tem o “home run” em mente a todo momento

Seja com playaction, seja com formação em trips com 4 WRs, seja com motion para dificultar a marcação, uma constante nos ataques modernos é querer ameaçar a defesa com bolas longas a cada snap.

O Ravens draftou o WR Marquise Brown no draft de 2019, um WR que corre 4.3 em 40yd dash, e agora tem um deep threat para botar medo constante nas secundárias adversárias.

Na jogada seguinte vemos como a ameaça vertical de Brown é injetada até mesmo em um conceito trivial como o All Curl. No All Curl todos os recebedores da formação correm rotas Curl.

 

O Ravens usou esse conceito em uma formação 5 WRs com uma diferença: Marquise Brown não corre uma rota Curl, mas sim uma rota Seam. Lamar lê o lado direito do campo, já com o passe longo da rota Seam em mente. No entanto, tanto o WR da ponta quanto o WR alinhado perto da OL estão marcados (o WR do lado oposto está livre, mas Lamar não leu aquele lado). O Chiefs está em Cover 1 e Marquise Brown também está bem marcado pelo CB e pelo FS. Lamar então, faz um scramble e ganha algumas jardas.

Em situações de 3rd and long, muitos times “desistem” e fazem um passe curto para ajeita para o punt. Não é o caso do Ravens. Eles usaram o conceito 5 verticals (o popular 4 verticals com mais um vertical) contra a cobertura Cover 2 do Dolphins na primeira semana da temporada, e repetiram contra o Chiefs, também em cobertura Cover 2. No primeiro caso, um passe certeiro no Seam do Cover 2 gerou um 1st down. Mas contra o Chiefs o passe, que é extremamente difícil, não foi tão bom.

Até agora eu só falei do Ravens, mas se é pra falar de bola longa e Home Run, o Chiefs tem que obviamente entrar ma conversa. O time de Mahomes e Tyreek Hill vive de achar espaços para suas rotas verticais. No TD de Mahomes para Mecole Hardman, o Chiefs já espera antes do snap uma cobertura Cover 3, mesmo que a defesa do Ravens tente disfarça-la, como fez grande parte do jogo.

O Ravens se alinha para disfarçar a cobertura Cover 3, mas acaba sofrendo as consequências disso.

O Chiefs precisa arranjar espaço para alvejar a rota Seam do WR #17 Mecole Hardman. Pra isso, eles fazem um motion com WR #14 Sammy Watkins para atrair um marcador da zona Hook e tirá-lo do caminho da rota Seam, no caso, o que foi feito com o FS #29 Earl Thomas. Agora, o que pode deter essa rota é o Safety #23 Tony Jefferson, mas ele que já estava posicionado do outro lado do campo para disfarçar a cobertura, também conta com a ameaça do TE #87 Travis Kelce naquele lado. Tudo isso somado resulta num Hardman livre para receber o passe e correr para o TD.

O motion e rota spot do WR #14 atraiu parte da marcação e ajudou a abrir espaço para a rota Seam do WR #17

O Chiefs ainda tentou usar a mesma jogada novamente mais tarde no jogo. Com as mesmas rotas e o mesmo motion de Sammy Watkins, a diferença é que a defesa do Ravens estava em um Zone Blitz com Cover 3 e o FS (dessa vez o #29 Earl Thomas estava alinhado mais próximo ao lado da trips para se antecipar a rota Seam de Hardman. Mahomes então muda a atenção para o lado oposto, onde Kelce está 1×1 com o CB. Porém, pressionado, o passe sai ruim.

O ataque do futuro tem um QB “atleta” e um botão “reset”

Por último, um ponto que causa bastante polêmica até hoje, mas tem tudo a ver com o ataque do futuro. Lamar Jackson e Patrick Mahomes foram muito criticados, um por correr demais com a bola e ter mecânica de passe inconsistente e o outro por vir de um ataque de college que supostamente não se transferiria bem para a NFL. Uma coisa que refllete esse tipo de polêmica é o fato de Mitchell Trubisky ter sido escolhido na frente de Mahomes e Deshaun Waston no draft de 2017.Hoje se vê o que estava em jogo e qual era a mentalidade de cada equipe nesse tipo de decisão.

Talvez hoje as coisas estejam mais claras, e o que se via como deficiência, na verdade era qualidade. Lamar está se tornando tão bom passador quanto é corredor. Mahomes é uma lenda iminente que já assusta os detentores de recordes na sua terceira temporada.

O que o grande atleticismo desses grandes QBs proporciona a um ataque, além de tudo, é um “botão reset”. Eles podem resetar praticamente qualquer jogada que esquematicamente “não deu certo” depois do snap. Nesses casos, o que para QBs menos atléticos se transformam em um passe curto para o checkdown do RB, para Mahomes e cia. é oportunidade para estender a jogada e criar outra coisa do zero.

A próxima jogada vemos como Mahomes usa desse “botão”. Ele primeiro observa uma rota Drive de Sammy Watkins que está na iminência de estar livre no lado esquerdo do campo, mas a pressão do pass rush faz ele apertar o botão “reset” e sair do pocket pro lado esquerdo. Agora num Scramble drill, ele busca algum recebedor livre, mas a pressão vem de novo e ele não consegue.

Mas na jogada abaixo vemos que só o medo de ver Mahomes sair do pocket para estender a jogada é favorável ao ataque. A DL do Ravens tenta conter um scramble de Mahomes para fora do pocket em vez de pressioná-lo agressivamente. Isso faz com que Mahomes tenha mais tempo para esperar o TE Travis Kelce se desvencilhar da marcação e fazer o passe.

É claro que esse estilo de jogo é imprevisível, ao ponto de ser arriscado. Mas também faz o jogo ser mais excitante. Esse passe perigoso de Lamar mostra como essa maneira de jogar pode proporcionar jogadas atípicas. Nesse caso, deu certo.

Numa era onde os ataques são protagonistas, a nova geração de atacantes faz com que assistamos um jogo mais dinâmico e veloz. Patrick Mahomes e sua carreira já espetacular é a aurora de uma nova era da NFL. E o que fica é a expectativa para que essa era dure muito tempo.