Uma breve história do Futebol Americano através das formações ofensivas – pt. 3

Na última parte da série de artigos sobre as formações ofensivas, veremos como a popularidade das formações Spread  (‘Espalhado’ em inglês) se deu conta por uma evolução natural de conceitos que, quando colocados juntos, colocam uma grande quantidade de stress e pressão contra uma defesa.

É bom começar esse artigo explicando melhor o que “Spread” significa.Spread não é uma única formação.É mais fácil explicar o Spread pelo que ele não é do que pelo que ele é.Spread não é o conceito de colocar muitos jogadores atrás da linha ofensiva, no backfield.Por isso, formações como a formação T e a Wishbone, mesmo que tenham algum Wide Receiver, não são formações Spread.A formação Singleback pode se dizer que é uma formação Spread, mas podemos dizer também que ela não é tão “Spread”  como uma formação Empty com 5 WRs.

O Spread cresceu no College Football durante a década de 2000, se espalhando como uma verdadeira epidemia.Por muito tempo o Spread foi visto como uma coisa que só dava certo no College.Por algum motivo a maioria das pessoas achavam que os conceitos do Spread, principalmente os de corrida, não dariam certo na NFL.

A história da popularização do Spread tem raíz no mesmo fenômeno que fez com que o jogo de passe se proliferasse na NFL a partir dos anos 50. Como eu disse na segunda parte da série de artigos, o fato de que os melhores passadores do College se encontraram com os melhores técnicos de Futebol Americano na NFL, aliado com algumas mudanças de regras, permitiu com que as técnicas de passe se desenvolvessem cada vez mais.

Adiantando a fita para a meados da década de 90, a maioria dos técnicos de High School e College também passaram a ter a mesma habilidade de ensinar essas técnicas para os passadores jovens que se destacavam.Isso permitiu com que, mesmo que um passador que não tenha tanto talento físico como um Aaron Rodgers conseguisse acertar passes para rotas diferentes de forma suficientemente razoável.

Mas na verdade a grande sacada que o Spread proporcionou para os times que começaram a usá-lo foi que espalhar os recebedores pelo campo fazia com que a defesa também alinhasse menos jogadores perto da linha ofensiva no box.E com menos jogadores no box, o jogo corrido também tinha oportunidade de funcionar melhor.

 

Singleback Spread e Shotgun Spread: Criando tanto oportunidades individuais quanto oportunidades de superioridade numérica

O primeiro grande ataque Spread a ficar marcado na história foi o ataque de Washington State de 1997-98, comandado por um dos mais famosos busts no draft da NFL na posição de Quarterback: Ryan Leaf (Mas o fato dele ter sido um bust não tem nada a ver com o fato de ele ter vindo de um ataque Spread).

 

A lógica do ataque era sistemática e simples, com as jogadas sendo chamados por um check (ou audible) do QB antes do snap.O ataque se alinhava com seus recebedores espalhados, geralmente 4WRs, enquanto Ryan Leaf fazia uma leitura pré-snap de como a defesa tentava se alinhar em relação a essa formação Spread.

A primeira leitura que ele fazia para definir se a jogada seria um passe ou uma corrida era quantos Safeties estavam no box e quantos estavam em profundidade.Se um estivesse no box e o outro em profundidade, Leaf tendia a chamar um passe.Se os 2 Safeties estivessem em profundidade, ele tendia a chamar uma corrida, geralmente um Inside Zone ou Outside Zone para que o RB possa se aproveitar do espaço deixado por ter poucos jogadores no box.

Com os 2 Safeties em profundidade, a jogada era uma corrida.

A partir disso, se o ataque estivesse produzindo bem, Leaf poderia ler o alinhamento da defesa de uma maneira mais complexa.O motivo é que se a defesa estiver sofrendo demais com o jogo aéreo ou o jogo corrido, ela tende a se alinhar de maneira a tentar “trapacear”, como se ela soubesse se o ataque iria correr ou passar.

Se os Cornerback se alinhavam em Off, Leaf fazia um check para que os WRs corressem uma rota Hitch.

Com os Cornerbacks longe da linha de scrimmage (alinhamento Off), os WRs corriam rota Hitch

Se os Cornerbacks se alinhassem em Press, os WRs externos corriam uma rota Fade e os Slot receivers corriam uma rota Option.

Se os jogadores da defesa que tinham responsabilidade de marcar os recebedores interno tentassem antecipar demais a uma jogada de corrida, era hora de chamar um Bubble Screen.

Nessa imagem o WLB e o SS estão responsáveis pelos Slot Receivers, mas tentam se alinhar mais perto da linha ofensiva para tentar parar uma corrida.

Os Inside Linebackers estão muito perto da linha de Scrimmage? Hora do conceito de passe Hi-Lo.Com um playaction fica ainda mais fatal.

O conceito de passe Hi-Lo provoca um esticamento vertical nos linebackers, o que abre espaço para uma rota Dig no meio do campo

Os Safeties estão se alinhando muito perto da linha de Scrimmage para esperar a corrida? Hora do conceito 4 verticals pra fazer eles pagarem por isso

Conceito 4 Verticals faz com que os Safeties tenham receio de se alinhar perto da linha de scrimmage para dar apoio contra uma jogada de corrida

 

O ataque de Washington State era poderoso.Mas mesmo assim ele não usava de uma coisa que faz um ataque Spread ser ainda mais perigoso: A ameaça de um Quarterback no jogo corrido, alinhado em Shotgun.

A essa altura da evolução das formações, o jogo de passe já estava tão bem desenvolvido em todos os níveis de Futebol Americano que as defesas já não esperavam mais que o Quarterback fosse correr em uma jogada pré-estabelecida para que ele corra, como foi por muito tempo.

Por isso, uma jogada em especial fez os ataques Spread terem a fama que tem hoje: O Zone Read ou Read Option, que mistura uma corrida de Inside Zone com um Option (o ataque tem opção de correr com o QB ou RB).

No Read Option o ataque tem a possibilidade de ter superioridade númerica em uma corrida do RB com a leitura de um jogador da defesa que não é bloqueado.Como esse jogador não é bloqueado e sim “lido”, o ataque agora tem mais bloqueadores do que jogadores da defesa na direção da Corrida do RB, um Inside Zone.

Se a defesa escolher “empatar” essa superioridade numérica (O jogador lido vai atrás do RB em vez de tentar defender uma corrida do QB), o QB agora pode correr no lado oposto sem ninguém da defesa perto dele, já que os outros recebedores estão espalhados (Spread).

A jogada Read Option permite com que um QB tenha muito espaço para correr, devido a formação Spread

 

Devido a todos esses fatores, um ataque Spread não pode ser definido pela quantidade de jogadas de passe ou jogadas de corrida.Tanto um ataque Air Raid, que passa mais de 50 vezes em um jogo quanto um ataque que usa uma formação Spread para correr com a bola são ataques Spread.

 

O Spread chega a NFL: Jogando “basquete na grama”

As formações Spread na NFL já eram usadas antes mesmo de elas serem popularizadas no College.Mas o uso delas costumava a se limitar a situações óbvias de passe ou a filosofias de ataque que usavam o passe com muita frequencia, como o Run and Shoot.

O jogo corrido do Spread não tinha engatado de vez na NFL pelo medo dos times de colocarem seus Quarterbacks – jogadores mais bem pagos de seus times – para correr com a bola e se submeterem a uma contusão.Esse medo é justificável, visto que sem seu QB titular as chances de chegar nos ṕlayoffs na NFL é mínima.

Mas aí vieram as temporadas de 2012 e 2013. Times que não tinham nada a perder draftaram Quarterbacks como Russel Wilson, Robert Griffin lll, Colin Kaepernick, Cam Newton e começaram a usar os conceitos de corrida Spread como o Read Option que esses QBs tinham tanta familiaridade no college.Para grande choque dos céticos que não acreditavam que esses conceitos dariam certo na NFL, eles deram bastante certo, principalmente porque as defesas da NFL não estavam familiarizadas a defendê-los.

O Carolina Panthers é um dos times que hoje usam corridas criadas específicamente para que o Quarterback corra.Cam Newton tem força equivalente a um Fullback, e por isso tem condições de até mesmo correr em esquemas de gap como o Power e o Counter.

O conceito de corrida Counter com um elemento de Read Option, onde o RB ou o QB podem correr.

 

Além disso, o Spread na NFL também está sendo bastante adotado por ele proporcionar situações de 1 contra 1 para jogadores de habilidade atlética rara, como o TE Travis Kelce.Se um time usa uma formação 3 x 1, ele pode colocar um “pesadelo de matchup” do lado com apenas 1 recebedor e forçar com que a defesa dedique apenas 1 jogador a marcar ele, pois a defesa se vê “forçada” de uma certa forma a tentar defender a parte com 3 recebedores da formação.Como o Spread proporciona essa e outras maneiras de deixar um determinado jogador isolado contra um defensor e desenhar a jogada com base nessa leitura de como uma defesa se alinha, ele é chamado de “jogar basquete na grama”

A jogada abaixo é um exemplo de como uma formação Spread 3×1 (3 recebedores em um lado da formação e 1 no outro) faz com que o recebedor fique isolado com um defensor.

Travis Kelce vai correr uma rota Post.Mas como vocês podem ver, parece que 2 jogadores da secundária do Browns estão em posição de marcar ele.

Mas na verdade o Safety está responsável por qualquer rota vertical no meio do campo por um recebedor do lado com 3 recebedores.O Safety nem se dá conta da rota Post de Travis Kelce, que faz a recepção para TD.

 

Conclusão da série de artigos

Com essa série de artigos eu tive a intenção de mostrar principalmente que não existe um “ideal perfeito” de futebol americano.Tudo que deu certo no FA até hoje deu certo porque fez parte de um contexto, seja ele de regras ou de disponibilidade de atletas.

Formações que só eram populares no início do século 20 como a Single Wing ainda são bastante usadas no High School.Conceitos da formação T ainda são usados na NFL.Tudo que já foi criado no FA ainda é usado hoje.A única coisa que varia é a frequencia que cada um desses conceitos é usada.Hoje em dia os conceitos do Spread são mais usados, mas você ainda pode ver conceitos mais antigos sendo usados.