Como eu tenho dito em outros posts e na página Sobre desse site, meu intuito em escrever aqui é fazer com que o fã médio de futebol americano do Brasil entenda os aspectos estratégicos do Futebol Americano.
Eu poderia escrever uma porrada de artigo sobre a variação de motion e formação da jogada do playbook ofensivo de um time de College que nunca passou na TV brasileira, mas só quem entenderia e leria esse tipo de artigo seriam no máximo uma centena de técnicos de um esporte ainda amador.Por isso eu queria focar em primeiro momento as séries de artigos desse site apenas no contexto.
Contexto é a palavra mágica pra você entender qualquer coisa em relação a estratégia do Futebol Americano.Antes de entender qualquer tipo de terminologia estratégica, você precisa saber não o que está acontecendo no momento do jogo, mas o que aconteceu ANTES DO JOGO.
Perguntar quanto tempo de preparação um jogador teve ou qual a experiência de jogo de um jogador é tão importante quanto perguntar qual o papel do jogador em uma jogada e porque ele fez ou não fez o que ele deveria fazer.E isso vale pra qualquer nível de Futebol Americano: High School, FABR, College e NFL.
Tudo o que acontece antes de um jogo ou temporada se reflete em campo.Para uma pessoa que começou a acompanhar o esporte, o jogo pode parecer bastante diferente entre esses níveis.Esse artigo vai tentar demonstra o por quê disso.
O contexto do retorno para o atleta/técnico
Jogar Futebol Americano é tecnicamente difícil e perigoso para a saúde de quem joga.Por esse fato, é normal se esperar que um jogador que receba alguma coisa em retorno para jogar se saia melhor do que um que não tenha.
É claro que a melhor motivação para alguém se dedicar a esse esporte é o dinheiro.A escada de carreira de algum técnico ou jogador de FA nos Estados Unidos geralmente é
- Técnicos de High School
- Técnicos de College
- Técnicos e jogadores da NFL
É até de certa forma ingrato de a única maneira de alguém viver de FA como jogador nos EUA é ter a sorte de fazer parte dos 0,1% do total de praticantes do esporte no país que consegue vaga em algum time da NFL.
Mas os 6% do total de praticantes que conseguem jogar no college recebem uma bolsa de estudos em troca.Apesar de ainda não ser dinheiro em espécie, num país onde o ensino superior deixa muita gente extremamente endividada, uma bolsa de estudos é uma bela motivação para se dedicar ao FA, até porque se você não se dedicar você perde a sua bolsa.
Já no High School, além da motivação de poder ser recrutado por uma universidade e ganhar uma bolsa, existe a motivação social.Pra entender essa motivação basta assistir a qualquer filme americano colegial que passa na sessão da tarde (ou então assista a série Friday Night Lights).O fato é que a cultura esportiva escolar é tão grande que se você ganha um título estadual você entra pra história do colégio.
Já o FABR não tem nenhuma motivação financeira.Motivação social é pouca, e muitas vezes anulada pelo preconceito quem muita gente tem com o esporte.O que motiva o jogador no Brasil basicamente é a competitividade do esporte.
O contexto do tempo dedicado ao esporte
Esse é o contexto mais óbvio que reflete na técnica e nas jogadas usadas em cada um dos níveis.
A NFL é o único nível de FA onde todos os envolvidos podem se dedicar a tempo integral ao futebol americano.Isso pode parecer maravilhoso pra quem vê de fora, mas a cobrança da NFL em cima dos jogadores é tanta que ela precisa chegar a acordos entre ela e a NFL Players Association por meio do CBA, e se não chegar a esse acordo, a liga pode não ter uma temporada, como quase aconteceu em 2011.Nesses acordos estão vários tipos de regulações, como o tempo de treino durante o training camp.Se um time não cumprir uma determinação, ele pode ser multado, como aconteceu com o Ravens na temporada de 2016.Para compensar, a NFL também pode suspender e multar os jogadores que não seguem suas regulamentações, como sabemos que o infame Roger Goodell gosta de fazer.
No College, todo jogador também é um estudante universitário, e portanto precisa se dedicar a sua carreira acadêmica.Sua agenda semanal é, portanto, lotada.E se suas notas não são boas, ele não pode jogar.
Mesma coisa no High School, onde os treinos são muito mais dedicados a ensinar os fundamentos do FA, e por isso há limitações quanto a variedade de esquemas em relação ao College.
No FABR a maioria do times treina, no máximo, 2 vezes na semana, num treino de 3 horas em média.Ou seja, técnicas apuradas em um jogo de FABR são raras.
O contexto da estrutura
Aqui entra a diferença de riqueza entre os países.Uma universidade de alguma conferência do Power 5 tem estrutura tão boa quanto um time da NFL.Mas em todos os níveis do FA nos EUA, você vai encontrar uma estrutura no mínimo decente para um atleta poder se desenvolver.Até mesmo na High School mais pobre ou na Universidade mais desconhecida vai ter pelo menos uma sala de musculação respeitável e um campo digno.
No FABR, se um time encontrar um campo que não seja esburacado para treinar já é uma imensa vitória.Alguns times mais sortudos tem acordos com academias, que por melhor que sejam muitas vezes não tem tudo que um time de FA precisa.
O contexto da habilidade atlética
Os jogadores que conseguem fazer parte de um roster na NFL são literalmente a elite da elite (do College) da elite (do High School), o que isso significa que na NFL acontecem coisas que só poderiam acontecer na NFL.A velocidade do jogo na NFL sempre é uma questão de adaptação para os novatos da liga.
Se você já viu um jogo de College, deve ter percebidos que a distância das hashmarks é maior que no da NFL.Na NFL, até 1972, a distância era a mesma do college.A mudança serviu pra dificultar a vida das defesas da NFL que já tinham bastante velocidade para deter os ataques, e assim ter um jogo com placares maiores.
No High School os jogadores são adolescentes, o que obviamente afeta na velocidade e na técnica do jogo.
No FABR, uma coisa que acontece muito é o “fenômeno da absorção”.Times que estão em atividade a mais tempo acabam “absorvendo” os melhores atletas de times menores, além de que eles tem mais condição de contratar um gringo para jogar com eles.Por isso, o FABR consegue ser bastante desigual dentro de si mesmo.Um jogo entre 2 times “pioneiros” é bem diferente de um jogo de 2 times iniciantes pela quantidade de habilidade atlética dentro de campo.
Resumindo: Como tudo isso afeta no aspecto estratégico
Apesar de todas as diferenças que eu discorri aqui, preciso falar que os princípios que regem o Futebol Americano são os mesmo seja qual o nível dele.
O que eu quero dizer com isso é que o conceitos do FA em sua essência funcionam do mesmo jeito seja na NFL, seja no FABR.Power O é Power O não importa onde seja executado: separe o Front de defesa em 2 e corra no meio das partes. 4 verticals é 4 verticals não importa onde: Faça alguém do seu time ficar livre com uma superioridade numérica premeditada.O FA é um jogo de espaço e números em qualquer instância.
Então é isso? Eu escrevi tudo isso para no final falar que tudo é a mesma coisa? Não, relaxa.Se você já assistiu esses 4 níveis do jogo você sabe que tem muita coisa diferente.
Basicamente o que difere um nível do outro além do nível técnico é a possibilidade de um time adicionar detalhes e variações dentro dos conceitos que ele escolhe para seu time.E um time faz isso com o objetivo único de não ser previsível para o seu adversário.
Futebol Americano é uma guerra de informação.Quanto mais estímulo cada nível tem para se dedicar ao FA, mais condições ele tem de “mascarar” os conceitos que ele mais usa.Dessa forma, o time adversário tem mais dificuldade para se defender contra esses conceitos, que funcionam da forma que eles devem funcionar.
É por isso que quanto maior o nível de FA, mais grosso é um playbook.Veja por sí mesmo nesse site.Compare os playbooks da NFL com o de Universidades de conferência menores.Já viu um playbook de FABR? Te digo uma coisa, quanto menor ele for, mais inteligente é a comissão técnica desse time.Para um time amador sem estrutura, menos é mais.Se você tentar enganar demais o time adversário, você vai acabar enganando a si mesmo primeiro por não conseguir dominar tudo o que está no playbook.
Ainda vou escrever sobre variações usadas por times da NFL, mas até lá eu prefiro tentar dar uma luz para quem ainda está começando no caminho do FA.