Como Patrick Mahomes coloca o ataque do Chiefs em outro nível

Quando o Kansas City Chiefs fez um trade up selecionou o QB Patrick Mahomes de Texas Tech no Draft de 2017 eu como um fã de futebol americano fiquei excitado.O ataque do Chiefs, que já era um dos mais divertidos de se assistir, selecionou o QB com o maior “teto” do Draft ? Pra mim aquela foi uma das escolhas mais ousadas daquele draft e poderia tornar o Chiefs mais que um time que somente chega nos playoffs e morre na praia.

A espera foi de mais de um ano e meio, mas finalmente podemos ver o talento de Mahomes aliado ao ataque de Andy Reid.E passadas apenas 3 semanas na temporada, podemos afirmar que o ataque superou as expectativas.

Mas tudo começou com uma troca já imaginada.Alex Smith, QB sólido do Chiefs, viraria Free Agent e a escolha de Mahomes descartou qualquer renovação.Smith já tinha perdido seu lugar de starter uma vez para Colin Kaepernick e perderia de novo para Mahomes pelo mesmo motivo.Qual motivo seria esse?

 

As “ferramentas” de um QB

Pra entender o hype que Patrick Mahomes tinha como um mero prospecto do Draft, queria fazer uma reflexão sobre o que os americanos chamam de “tools” de um QB.

“Tools” basicamente são as qualidades físicas de um QB.Ou seja, não estamos entrando no mérito de quão inteligente o QB é ou o quanto ele sabe ler defesas. As tools dizem respeito a qualidade do lançamento do QB, (força no braço, velocidade do lançamento) como também sua habilidade com as pernas (mobilidade e capacidade de sair do pocket para correr ou para fazer lançamentos em movimento).

A NFL está vivendo uma era onde as “tools” estão sendo cada vez mais valorizadas.Não mais valorizadas que o aspecto mental e de tomada de decisões, é claro, porque esse sempre vai ser o mais importante.

Mas para quem quer ser realmente competitivo na NFL de hoje, seu QB precisa saber lançar passes difíceis como um backshoulder fade, precisa “esticar” uma defesa verticalmente com a ameaça de um passe longo e precisa saber estender uma jogada saindo do pocket e fazendo um passe.

Chad Pennington, Joey Harrington e Alex Smith.Todos esses foram QBs draftados no 1º round na década passada.Eles tinham braços relativamente fracos e se fossem prospectos hoje provavelmente não seriam draftados tão alto.Alex Smith inclusive até hoje tem sua carreira comparada com a de Aaron Rodgers, que como sabemos tem “tools” fora de série, e antes do draft de 2005 disputava com Smith para ser o primeiro pick.

A necessidade de se ter um QB com boas “tools” se reflete nas estratégia de draft dos times.Peguemos os exemplo de Josh Allen, QB draftado em 2018 pelo Bills, foi um prospecto que causou certa polêmica na comunidade do draft.Você pode ver que até fizeram um site satirizando Josh.O motivo é que Josh era de uma escola pequena que jogava com adversários mais fracos, mas mesmo assim Josh não tinha bons números e estatísticas como QB.Por que então colocavam ele como prospecto pra sair não só na 1ª rodada, mas como top 10 ? O motivo eram as “tools” de Josh Allen, que possui um braço fortíssimo para lançamento e um bom atleticismo para ser móvel.

imagem de draftjoshallen.com satirizava o hype gerado pelo forte braço de Josh Allen

Patrick Mahomes antes de seu Draft também era um QB que se destacava pelas “tools”. A principal dúvida em questão a ele era sua técnica e mecânica de passe crua e como ele iria se adaptar a um ataque na NFL vindo de um sistema Air Raid.Também por isso ele teve que esperar um ano no banco em sua temporada de novato.

Mas com 2 semanas na temporada de 2018, podemos ver o resultado de seu desenvolvimento aprimorado com a qualidade de suas “tools”.

Nessa rota slant que virou TD, Mahomes coloca uma velocidade absurda na bola

70 jardas da mão de Mahomes até a recepção

Mahomes mostra sua habilidades com as pernas para estender a jogada e fazer o passe

Aqui é tudo ao mesmo tempo: Mahomes sai do pocket e manda um foguete de 40 jardas

 

O ataque “horizontal” de Andy Reid

Antes de falar de como Patrick Mahomes encaixou nesse ataque, é bom lembrar rapidamente porque o ataque do Chiefs já é tão perigoso sem mesmo levar em conta quem está recebendo snap como QB

O ataque usa frequentemente jogadas de corrida Option, como o Read Option e Speed option.Essas corridas são aliadas com movimentos antes do snap (ex. Jet sweep) para congelar os defensores de um lado do campo.

E é bom lembrar que o ataque tem playmakers fora de série como o TE Travis Kelce e o WR Tyreek Hill.

Aqui vemos o Chiefs de 2017 usando um tipo de Option em uma formação Fullhouse com um movimento depois do snap do jogador alinhado como RB para o lado esquerdo da jogada. O QB tem então a opção de passar para o jogador que se alinhou do lado dele ou fazer o shovel pass para Travis Kelce que estava alinhado como TE.

 

Já aqui mostra como esse ataque é bem exótico em questões de formações e motions.Novamente em uma formação Full House, um jogador faz um motion para o lado direito enquanto o QB Alex Smith troca de posicionamento com Travis Kelce, que recebe o snap e faz o Read Option para correr com a bola

 

O ataque em 2018 também se mostrou ter bastante ênfase nos Run Pass Options, ou RPOs.

Aqui vemos a OL do Chiefs tentar bloquer uma corrida Counter para o lado esquerdo enquanto Patrick Mahomes mantêm a bola para fazer o passe para uma rota slant.

Run Pass Option executada pelo ataque do Chiefs

É claro que falar das variações desse ataque levaria bem mais tempo e isso é só uma demonstração.Mas foi só para mostrar como o ataque do Chiefs é “horizontal” de uma certa forma.

Também é bom lembrar que em questão de jogo aéreos Andy Reid usa um sistema West Coast e as combinações de rota características desse jogo de passe com, Slant-Flat, Double Slant, Stick etc..

 

“Verticalizando” o ataque: Mahomes entra em cena

866 jardas e 10 TDs. Números impensáveis pra quem até então jogou 3 jogos de NFL na vida.Mahomes encaixou como uma luva no ataque do Chiefs.

O motivo é que agora o Chiefs tem um QB que tem suas “tools” capazes de preencher ainda mais o própio repertório de jogadas mortais.

Pra começar vamos ver uma jogada que não surpreendentemente foi muito bem desenhado pelos técnicos do Chiefs e evidencia a vontade do time de atacar as defesas adversárias verticalmente.O objetivo da jogada é atacar a cobertura base do Chargers, o Cover 3, com o WR #10 Tyreek Hill correndo uma rota Over longa.

Repare como tudo no desenho e na execução da jogada pretende abrir espaço para a rota de Tyreek Hill.Primeiramente o playaction feito para segurar os Linebackers, depois a rota Post-Corner do TE Travis Kelce que também serviu para desviar a atenção dos Linebackers de Tyreek Hill.

Mas o mais importante é o que aconteceu no lado esquerdo da formação.O Chiefs tem um TE #82 Alex Ellis alinhado no lado esquerdo, mas no momento do snap ele não corre nenhuma rota e apenas bloqueia para o passe. O CB #24 Trevor Williams dos Chargers alinhado em frente a ele teoricamente tem que fazer o drop para marcar o 1/3 profundo da sua zona.Mas ao ver que o TE não vai correr nenhuma rota, ele fica parado em vez de ir para o fundo do campo em uma técnica bail.O problema para a defesa do Chargers é que o WR #10 Tyreek Hill está se movendo para a zona que esse CB deveria marcar.

A rota Over do WR #10 se destina a uma das zonas profundas do Cover 3

Veja na imagem abaixo como a rota Over é destinada a zona que o CB do Chargers era responsável por marcar.

o CB #24 teoricamente seria o responsável a deter o passe, mas ele não faz o drop para a sua zona

O resultado foi que o WR Tyreek Hill teve que se preocupar apenas em deixar os Linebackers para trás com sua velocidade, o que não foi tão difícil.E com um belo passe de Mahomes, o Chiefs conseguiu um grande avanço.Veja tudo no vídeo abaixo.

 

 

Patrick Mahomes também se mostrou um exímio lançador de rotas Seams. Rotas Seam são aquelas rotas que buscam atingir o buraco de uma cobertura por zona profunda.O passe para essas rotas costuma ser difícil, pois muitas vezes é em uma janela que se fecha muito rápido pela proximidade com os defensores.Portanto, o QB precisa colocar bastante velocidade na bola em um passe como esses.

Como colocar velocidade na bola não é problema para Mahomes, o QB explorou bastante esses buracos nas coberturas por zona da defesa do Steelers.

O Steelers apresentou uma cobertura Cover 2 várias vezes no jogo, que foi atacada por rotas Seam, muitas vezes corridas por Travis Kelce

Nessa jogada ele faz o passe para a rota Seam de Travis Kelce entre os Safeties em cobertura Cover 2, note também que Mahomes faz o shift de uma formação Singleback para uma formação Empty.

 

Aqui Mahomes acerta mais um passe para uma rota Seam de Travis Kelce, dessa vez contra uma cobertura 2-Man.

 

Outra cartada de mestre de Andy Reid para otimizar o jogo de Patrick Mahomes foi o uso frequente de formações Empty (formações sem nenhum jogador alinhado no backfield e geralmente com 5 jogadores alinhados como WRs).

Essa é uma formação bastante famosa por ser usada por Tom Brady no ataque do Patriots pelo motivo de facilitar a leitura antes do snap da defesa, pois com os recebedores elegíveis espalhados a defesa é praticamente obrigada a revelar como e com quem ela vai defender cada recebedor do ataque, ficando isso evidente pelo alinhamento pré-snap da defesa.Porém, a grande desvantagem da formação é que toda a proteção do QB tem que vir da OL (não vai ter RB para ajudar a bloquear), o que se faz necessário o QB saber realizar chamadas de proteção de passe para a OL bloquear o pass rush adversário.

Mahomes tem familiaridade com essa formação pois ela era usada bastante no ataque comandado por ele de Texas Tech

Na jogada a seguir podemos ver como Mahomes entra em ação numa formação Empty.Ele observa que a defesa do Steelers só tem um Safety em profundidade no meio do campo, enquanto os 2 CBs do lado esquerdo estão em Press.Essa leitura diz que provavelmente vai ser uma cobertura homem-a-homem Cover 1, mas a infromação mais importante é a de que tem um CB em Press contra ninguém menos que o WR Tyreek Hill, que vai correr uma rota Fade.Isso significa que se o CB #25 Artie Burna não fizer o bump direito em Hill, Hill fica livre pois sua velocidade é incomparável com a do CB.

Não deu outro na jogada.Hill deixa o CB para trás e corre rumo a endzone longe do apoio do Safety que está no meio do campo.Repare como antes da jogada Mahomes faz algum ajuste no esquema de bloqueio da OL.Isso é constantemente necessário em uma formação Empty

 

Nessa jogada, mais uma vez com uma formação Empty, Mahomes faz a mesma leitura da cobertura da defesa (apenas 1-high safety) e escolhe o melhor matchup que a defesa lhe deu pelo seu alinhamento, que no caso foi o WR #14 Sammy Watkins contra o LB #90 TJ Watt. O WR deixa TJ Watt pra trás com sua velocidade e a jogada só não termina em um TD porque o passe foi muito na frente do WR.

 

Conclusão

É assustador pensar se o Chiefs de Mahomes já mostrou o máximo que tem pra mostrar ou se eles ainda estão longe do seu potencial.

Talvez essa resposta depende de Mahomes simplismente.Será que ele vai melhorar cada vez mais a ponto de colocar seu nome na história da NFL? Apenas o tempo dirá.Mas até lá pelo menos já podemos nos entreter com as jogadas espetaculares que um atleta desse nível proporciona.